GIRAR PELOS ARES; NÃO SAIR DO LUGAR

Paulo Miyada

[english]

1. RODA GIGANTE

O subtítulo desta exposição foi emprestado da nova instalação concebida por Carmela Gross para o vão central do edifício que abriga o Farol Santander de Porto Alegre. Originalmente construído para sediar uma suntuosa agência bancária, o prédio tem como trunfo o ambiente de dimensões agigantadas, coroado por vitrais zenitais em que se leem palavras como Troca, Progresso, Trabalho e Fortuna. Sob essas divisas que um dia funcionaram como simultâneas meta e promessa, Carmela trama agora um ambiente que, como as mesmerizantes rodas gigantes, sugere movimento, tensão e suspensão: centenas de cordas amarram-se nas balaustradas e colunas do andar superior do edifício e atravessam o grande vão em um emaranhado de diagonais; cada uma dessas cordas amarra-se a um objeto prosaico, que por um motivo ou outro costuma passar despercebido em nosso cotidiano, ocupando apenas a periferia dos olhares que raramente se dão conta de pneus, pilhas de livros, baldes, vigas e outros tantos elementos que integram a infrapaisagem urbana. Agora, tensionados pelas cordas presas à arquitetura, esses objetos ganham a cena, fazendo as vezes de lastro do desenho que atravessa o espaço.

vista da instalação RODA GIGANTE, 2019

Cordas e objetos balizam o deslocamento do público que adentra a exposição e percorre o saguão. A percepção espacial é alterada ainda pela iluminação âmbar que a artista soma à luz que atravessa os vitrais. O ambiente é familiar, mas parece deslocado do espaço-tempo usual.
Trata-se, então, de um espaço virtual, imaginário? Uma roda gigante que entretém com sua ilusão de mobilidade, girando e girando sem sair do lugar? Alguém poderia argumentar que o edifício inteiro já havia sido construído para dar corpo a noções abstratas: o dinheiro e seus rendimentos e juros, ou o Crédito, a Economia e a Justiça (outras dentre as palavras gravadas nos seus vitrais). É possível ir mais longe e lembrar o quanto nossas cidades inteiras se converteram em uma parafernália histriônica que disputa nossa atenção, enquanto os substratos que de fato a movimentam permanecem ocultos de nossa linha de visão. Ou mesmo dizer que a totalidade da sociedade global contemporânea opera como um espetáculo de imagens e especulações em que os valores há muito perderam tangibilidade. Mas tudo isso pode ser divagação, pois, na realidade objetiva, a obra não é mais que coisas e cordas, amarras e pesos em equilíbrio – nada se move senão a errância do pensamento que se faz enquanto o corpo deambula entre as linhas oblíquas.

2. Desmaterialização

As anotações sobre a arte conceitual feitas entre 1966 e 1972 pela crítica e escritora norte-americana Lucy Lippard[1] sintetizam o tom de um amplo debate acerca da “desmaterialização da obra de arte” no âmbito da arte conceitual. Sem propor uma definição muito restrita do termo, Lippard registrou os pontos comuns que empregou para montagem de seu panorama da arte conceitual:

“Arte Conceitual, para mim, significa o trabalho no qual a Ideia é soberana e a forma material, secundária, leve, efêmera, barata, despretensiosa e/ ou ‘desmaterializada’ (…) por falta de termo melhor eu continuei a me referir a um processo de desmaterialização, ou um rebaixamento de seus aspectos materiais (originalidade, permanência, atratividade decorativa)”.[2]

De fato, as décadas de 1960 e 1970 – durante as quais Carmela Gross viveu seus estudos e primeiros anos de atuação como professora e artista – foram permeadas por iniciativas que visavam desatrelar o valor artístico de parâmetros plásticos enraizados no saber-fazer das linguagens tradicionais da pintura, da gravura e da escultura, o que passava por conceber obras que existiam e circulavam como ideia, informação, comunicação e conceito, muitas vezes com caráter precário ou efêmero.
Pensar nessa arte como uma expressão desmaterializada, porém, nos leva a um panorama repleto de paradoxos e miragens. Um dos problemas é que, mesmo quando não resulta em objetos materiais duráveis, armazenáveis e transportáveis, a arte não deixa de se comportar como se fosse material – os conceitos, mesmo quando não estão ancorados em um corpo objetual, são moldados, esculpidos, trocados, guardados; eles existem.
Outro porém reside no paralelismo do debate sobre a desmaterialização da arte com o fenômeno da desmaterialização do capital financeiro, que atravessou o século XX e culminou no começo da década de 1970, quando os Estados Unidos romperam unilateralmente o acordo de Bretton Woods de gerenciamento econômico internacional, acabando com a convertibilidade de dólar em ouro e, assim, livrando as moedas de seu último lastro concreto rumo ao frenético território da especulação financeira. Diante dos impactos incomensuráveis da desmaterialização da economia, a desmaterialização da arte pode parecer um detalhe de menor importância ou até um efeito colateral involuntário.
Não obstante, os efeitos da financeirização da economia, centenas ou milhares de vezes nos últimos 50 anos, têm nos ensinado que por trás da aparente desmaterialidade existe uma espécie de supermaterialidade. Explico: à medida que os valores se liberam de lastros físicos concretos, nada mais pode pertencer exclusivamente ao campo das ideias, das abstrações ou da informação: tudo passa a ser tão comprável, trocável, acumulável e especulável quanto uma barra de ouro ou uma fazenda, incluindo os títulos de “barris de petróleo futuros”, o potencial de renovação da camada de ozônio e toda a sorte de informações privilegiadas. A considerável vertigem diante das convulsivas movimentações de uma bolsa de valores – antes ilustrada pelo olhar entre angustiado e robótico dos operadores empilhados em Wall Street e hoje abstraída pelos impulsos eletrônicos de bilhões de trocas digitais – é a metáfora perfeita para uma época menos “desmaterializada” e mais “supermaterial”. Ou seja, o que pareceria, de longe, uma transcendência da esfera dos objetos e das matérias-primas concretas revela-se, de perto, como um aterramento que traz ao chão comum dos materiais (e das mercadorias) aquilo que se supunha aéreo, conceitual ou abstrato.[3]

3. Lastro

“Arte é isso aí: pensar em construir criticamente dentro da linguagem (…) sempre produzir um avesso”.[4]

Carmela Gross não projetou a instalação RODA GIGANTE por causa das considerações que apresento. Seu processo criativo, por sinal, raramente nasce de um discurso teórico prefixado. No princípio, está o traço, o desenho que apreende o espaço e o arremessa em uma nova configuração. Antes, ainda, está uma espécie de desenho de observação da cidade e da sociedade circundante, que a artista alimenta em sua constante observação das dinâmicas contemporâneas de troca, opressão, circulação e conflito.
Bem, será preciso avançar por etapas.
Um exemplo. Em 1968, Carmela Gross e alguns dos amigos que se conheceram no curso de graduação em Artes[5] cumpriam a sugestão do professor Flávio Motta e percorriam o que era então a periferia de São Paulo, estudando as pinturas e sinalizações manuais feitas pelos artesãos que criavam espontaneamente uma linguagem pictórica vernácula local. Em dado momento, a artista resolveu intervir em um barranco criado pela urbanização gradual e pouco planejada do eixo sudeste de crescimento da cidade. Com um spray de tinta preta, traçou rapidamente o desenho de uma escada, uma redundância gráfica que se fazia enquanto o corpo subia os degraus da topografia escalonada do terreno.

ESCADA, 1968

Essa linha rabiscada com o corpo inteiro é um desenho de observação da cidade, que apreende o contorno de uma de suas particularidades e o explicita como um projeto aplicado ao próprio espaço urbano. Há muitas outras obras, feitas nas últimas cinco décadas, em que Carmela Gross exercita operações de observação/ projeção. Em algumas delas, como em ESCADA (1968) ou em EU SOU DOLORES (2002/2016), isso se dá como uma dobra que retorna à paisagem da cidade. Em outras, como em A CARGA (1969), MONUMENTOS (2001), 13 PASSANTES (2016) e FIGURANTES (2016)[6], o ciclo se completa no espaço expositivo, que atua como um duplo da cidade elaborado no campo da linguagem.

É nesse último grupo de obras que se pode analisar a instalação RODA GIGANTE. A seleção das centenas de objetos que ocupam o vão central do edifício pressupõe a atenção constante para a cidade e, especificamente, para os elementos mais ou menos funcionais que a integram, sem chamar atenção para si: não os monumentos e as propagandas, mas as microinfraestruturas do cotidiano. Juntos, eles formam uma lista absurda, que abrange de malas de viagem a pedaços de concreto improvisados para impedir a entrada de automóveis. Juntos, eles formam uma multidão. E essa multidão avança pelo espaço, ancorando a massiva arquitetura simbólica de poder e estabilidade. Não são os balaústres e as colunas que sustentam os objetos (já firmemente apoiados sobre o piso), mas sim os objetos que lastreiam a tensão das cordas que se multiplicam pelos ares. Aí, também atua a observação da artista, que percebe que todo o aparato simbólico contemporâneo se apresenta como se fosse ele que sustentasse a vida, enquanto é a vida (dos objetos e das pessoas) que, na verdade, alimenta o poder e seus simbolismos.
É até aí que a artista avança: ela percebe um aspecto estruturante da realidade enquanto exercita um desenho projetivo que terminará por absorver o espectador, seu corpo, sua atenção e sua fantasia. A partir daí, somos nós, os públicos[7], que podemos nos lançar no corpo a corpo com a obra e aproveitar sua forma única de encadeamento de ideias e materiais para refletirmos sobre o que nos impedia de perceber aquilo que Carmela Gross percebia e o que isso diz sobre nós, sobre a linguagem e sobre o mundo. No meu caso, a proliferação de linhas de força que ligam a antiga sede bancária aos objetos banais, sob palavras de ordem de progresso e em meio a uma inusual luminosidade, faz pensar nas transformações da materialidade na era da desmaterialização da arte e da economia.

4. Como projetar um vulto

Em dado momento, após atravessar os espaços não saturados por cordas e objetos dispostos pelo saguão central do edifício, o visitante escoa da instalação para a franja lateral do espaço, onde o pé-direito é mais baixo e a luz âmbar chega mais tênue. Ali, estão reunidas obras produzidas entre 1968 e 2019. Procurou-se criar um tabuleiro de peças que vão e vêm entre os procedimentos de desenho, projeto e síntese recorrentes na trajetória de Carmela Gross. Há especial atenção para os modos como se podem construir opacidades visuais, produzindo buracos, vultos e volumes de conteúdo incerto, que aludem mais ou menos diretamente aos aspectos da vida e da cidade de praxe obscurecidos, compreendidos como entulho cognitivo.
Em ambas as esferas, da vida e da cidade, tudo o que não conseguimos ou não queremos enxergar pode, a algum momento, emergir como estorvo, enigma ou ameaça.
As duas obras que coordenam esse tabuleiro (não por acaso, aquelas que foram, desde o princípio, elencadas para integrar essa seleção) são A CARGA e A NEGRA (1997). Na primeira, uma grande lona cinza-esverdeada recobre uma estrutura metálica avultada. Na língua inglesa, alguém poderia dizer que se trata de um objeto “bulky” – em português, é preciso somar algumas palavras: algo avolumado, espaçoso, que parece estar sempre no meio do caminho. Com 2,5 metros de altura e 3 metros por 5 metros de extensão, ele é maior do que nós, mas um pouco baixo e pequeno para ser uma casa.[8] é como um quarto que só pode ser visto de fora, ou como uma caçamba deixada para trás. Por outra metáfora: é o bode (o elefante) no centro da sala, que impõe sua premeditada presença desconfortável enquanto seu conteúdo permanece uma incógnita, um tesouro ou uma ameaça indeterminável.[9] Já em A NEGRA, inicialmente concebida como escultura urbana móvel apta a circular pelo canteiro central da Avenida Paulista, a artista recobre uma estrutura metálica de 3,3 metros de altura com um abundante tule negro que, em seu excesso, configura uma silhueta indistinta e irredutível. Pensada para circular entre arranha-céus, automóveis, pedestres, sinalizações e propagandas da avenida mais célebre da maior metrópole do país, A NEGRA não almeja ser mais um signo comunicante desejoso de atenção. Ela é um vazio, um ponto cego móvel na paisagem. É uma alegoria da parcela da cidade que não se deixa apreender pelas estatísticas, pelos dispositivos de vigilância, pelas pesquisas de opinião, pelos perfis demográficos. Uma caverna onde cabe aquilo que os aparatos do poder não fazem questão de ver, mas que pode abruptamente surpreendê-los.[10]
Como pensamento constitutivo, A CARGA rebate-se na criação dos MONUMENTOS de Carmela Gross, também incluídos na exposição. Trata-se de esquemas geométricos definidos por linhas elásticas presas à parede – contornos ocos de algum simbolismo que acontece em hiato. Já a concreção de A NEGRA é antecipada pela realização dos QUASARES (1983), obra em que a artista selecionou 11 ilustrações retiradas de catálogos de venda, almanaques variados e enciclopédias e as submeteu a múltiplos processos de reprodução técnica de imagens (fotocópia, fotografia, ampliação fotográfica, impressão offset), ampliando-as e borrando seus contornos até que perdessem sua legibilidade e se transformassem em vultos construídos.[11]
Existe um pensamento projetual embutido nesse tratamento gráfico que transforma uma imagem em um vulto, o qual, por sua vez, também ecoa na conformação de X (1989) e ASA (1995) – duas presenças fantasmagóricas que se infiltram no espaço, transformando a imprecisão gestual da forma desenhada em massas de materialidade inequívoca.

SUL, 2002, gravura em metal, 54 x 40 cm/ cada letra

5. SUL

Às já sublinhadas palavras de ordem traduzidas pelos vitrais zenitais do edifício, a exposição de Carmela Gross soma outras palavras advindas do seu léxico. Um neon de 3 metros de largura anuncia em letras garrafais (delineadas pelo traço da artista): SUL. Trata-se de uma coordenada geográfica, mas também de um norte simbólico, com o perdão pelo jogo de palavras. Com sua claridade, a obra coloca em evidência o lugar de onde fala a artista, tantas vezes tratado como sinônimo de dependência econômica, política e cultural.[12] O estado periférico é assim desafiado pela ênfase linguística, o que se repete no letreiro de luz LED FIGURANTES (2016). Nele deslizam, uma por uma, as “profissões” originalmente enumeradas por Karl Marx na descrição do lumpesinato (o proletariado aos trapos), amealhado como massa de manobra por Napoleão III em sua revolução farsesca: herdeiros decadentes, degenerados, arrivistas, nulos, vagabundos, soldados exonerados, ex-presidiários, desertores, gatunos, jogadores, lazarones, batedores de carteira, prestidigitadores, trapaceiros, cafetões, donos de bordel, carregadores, literatos, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores de tesoura, funileiros, mendigos e traficantes.
Para Marx[13], a precariedade marginal dessa multidão de desempregados boêmios impedia a formação de sua consciência de classe, deixando-a suscetível a mitomanias reacionárias que terminariam por ir contra os próprios interesses. Para Carmela Gross, esses antecedentes históricos atuam também como metonímia das parcelas das cidades que escolhemos não ver, com seus objetos, corpos e vidas constantemente ignorados pelo planejamento e pelo progresso.
Nesta exposição, portanto, o letreiro luminoso constantemente remete ao equivalente humano da massa de restos cognitivos amealhados pela RODA GIGANTE. As vicissitudes dessa multidão são, ainda, sublinhadas pela animação 13 PASSANTES (2016), com seus personagens anônimos que caminham, tropeçam e flanam sobre uma malha quadriculada, enquanto sua violência disruptiva inerente é evocada pelo vídeo LUZ DEL FUEGO II (2018), com seu fluxo-devir de destruição, tragédia e cataclismo.[14]
Com esses trabalhos, a exposição enfatiza o sentido sociopolítico que está sempre patente na produção de Carmela Gross.[15] Assim, está aberto o caminho para o ato final da mostra, dois andares acima.

6. Verdadeiras pessoas de mentira

Não é por acaso que, ao subir ao moderno hall construído sobre o edifício histórico ocupado pelo Farol Santander, o visitante encontra a instalação REAL PEOPLE / ARE DANGEROUS, parcialmente realizada em 2008 e agora instalada pela primeira vez em sua forma e dimensão integrais.[16] Nessa obra, 292 lâmpadas vermelhas são articuladas pela artista de modo a formar dois grandes painéis suspensos. Atravessando o hiato da largura do hall, é possível completar a sentença que nos lembra de que as pessoas de verdade são perigosas, ou que são perigosas as pessoas reais. Quem são as pessoas reais? Ou, ainda, quem seriam as pessoas de mentira, falsas ou irreais? Essas são perguntas que cada visitante terá que levar consigo.

*


[1] LIPPARD, Lucy. Six Years: The dematerialization of the art object from 1966 to 1972. Los Angeles: Califórnia Press, 1997 (ed. or. 1973).

[2] Op. cit, página vii e página 5. Tradução livre pelo autor.

[3] Esta passagem desdobra algumas ideias que formulei anteriormente no ensaio “Yoko Ono: A arte das instruções na era dos algoritmos”, In: Yoko Ono: o céu ainda é azul, você sabe…/Yoko Ono: the sky is still blue, you know… Curador: Gunnar B. Kavan (tradução inglês: Julia Lima). São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2017.

[4] Carmela Gross na Aula Magna da Escola Entrópica, 21 de fevereiro de 2019, no Instituto Tomie Ohtake.

[5] Esse curso de graduação antecede o modelo que foi posteriormente implantado e segue vigente (com muitas adaptações) até hoje. Na época, ele seguia a proposta pedagógica desenvolvida pelo professor Flávio Motta, em 1956, como adaptação do Curso de Formação de Professores de Desenho implantado no Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1953.

[6] Todos incluídos nesta exposição; discutidos em mais detalhes adiante.

[7] Isso é assunto para outra ocasião, mas gostaria de salientar a importância de entender críticos e curadores como parte dos públicos, ainda que em uma posição muito dedicada e especializada. Acredito que o crítico é uma variação do espectador, mais do que uma paráfrase do artista.

[8] Com exceção dos barracos feitos diretamente sobre a calçada, o que é significativo.

[9] Do ponto de vista histórico, convém sublinhar que se trata de uma obra realizada em 1968, na iminência do Ato Institucional Número 5, que agravou a política repressiva da ditadura militar brasileira vigente desde 1964. Naquele contexto, todo desconhecido era socialmente percebido como uma ameaça ao regime, uma possibilidade subversiva e, simultaneamente, como um risco de violência de Estado.

[10] Para uma leitura mais extensa de A NEGRA, ver meu ensaio “A geógrafa, a má revisora e a espeleóloga”, In: FREITAS, Douglas de (org.). Carmela Gross. São Paulo: Cobogó, 2018.

[11] No ensaio citado na nota anterior, esbocei uma interpretação do título dessa série de impressões: “Carmela Gross nomeou-os como QUASARES, os maiores emissores de energia do universo, maiores do que estrelas e menores do que galáxias, cuja definição ainda estava em disputa naquele momento. / Parece pertinente que esse potente e misterioso fato cósmico tenha emprestado seu nome como introdução às estranhas figuras laboriosamente construídas pela artista. Esse acerto, porém, não deve evitar que se faça uma pergunta: o que efetivamente torna essas imagens tão magnéticas? Não pode ser a simples ausência de referencialidade, afinal são muitas as manchas e borrões ocasionais que não possuem qualquer significação evidente e nem por isso atraem o olhar por mais de um instante. Uma hipótese é que a centralidade das sombras nos papéis, sua tendência (nunca completa) à simetria e a alta definição de sua impressão fazem com que a figura, por mais indefinida que seja, identifique-se como algo construído, produzido com propósito: desenhado”.

[12] Para além dos argumentos retóricos, a arte e a poesia visual contam com ênfases visuais como transformadoras do sentido de um signo. No caso de SUL (2019), a soma de traços paralelos ondulados transpostos em neon faz da palavra um campo de ressonância que se expande pelo espaço. Em outro trabalho, de 2002, Carmela Gross imprime as letras S – U – L em três folhas. Nelas, o que se vê é resultado de inúmeros sulcos da ponta seca sobre a chapa da gravura em metal. As finas linhas insistentes e convulsivas se avolumam em espessas grafias que convertem a sutileza em potência, a fragilidade em imposição.

[13] No célebre ensaio, escrito no calor do momento, “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” (1852).

[14] Nesses dois vídeos, a operação constitutiva se faz pela justaposição de imagens: no primeiro, como sucessão de frames de singelos bonecos feitos com fita adesiva preta sobre as páginas de um caderno; no segundo, como interpolação de dezenas de fotografias retiradas de mídias impressas.

[15] É importante sublinhar que a linearidade do texto força uma progressão temática e formal pelas obras em exposição, mas toda a montagem, tomando partido da arquitetura do espaço, privilegiou a concatenação de um espaço não linear, em que os pareamentos aqui apresentados na verdade se dão por diagonais cruzadas entre coordenadas diversas. Por isso, acima, foi dito que essas obras conformam um “tabuleiro”.

[16] A proposta original desta obra se deu no projeto de arte urbana “SCAPE” (2008), também conhecido como “Christchurch Biennial of Art in Public Space”. A intervenção ocuparia duas passarelas, mas, diante da apreensão dos organizadores neozelandeses, apenas a primeira metade da obra foi realizada e instalada.

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