É o b-a-bá

Flávio Motta

 

Eu posso ficar dentro de casa.
Você pode ficar na rua.
Esta é uma questão que lhe compete.
Mas está tudo tão opaco!
As luzes estão apagadas.
Talvez seja necessário descolar algumas coisas. Talvez não seja apenas tirar a máscara que também é um processo per sonare – para tornar mais sonoro, mais evidente, mais pessoal.
Haverá por acaso um cenário armado? Acenderam-se as luzes coloridas para representar a cena silenciada. De repente, um canto da cidade, no perfil dos telhados.
Mas a cor vem, pouco a pouco, e vive, interiormente, tão obsessiva, no seu desejo de preencher as superfícies, como se fosse um todo homogêneo.
Mas a observação mais atenta demonstrará a riqueza do desejo.
Há uma superfície que quer voltar a ser superfície… e não pode.
A qualidade material, a ponta do lápis escreve uma outra pauta. Comprometeu tudo.
Adeus nossos cadernos escolares! Hoje o que está aqui são outros traçados, com larguras e tensões maiores. Leio esta gigantesca cartilha da artista no mundo moderno.
Minha cadeira.
Minha cidade.
Tanta similitude neste trabalho entre o cotidiano e a arte.
Cobertor carinhosamente estendido para uma criança.
E a cidade deles também se intercala.
Verticalidade e horizontalidades cinzas, quase negras, mas um drama negro, de pintor, de artista, cujo lápis faz o escuro cada vez mais colorido.
Acendam assim as luzes da cidade nova. Nas grades de ferro de nossas casas há feridas iguais às cidades caóticas em decomposição.
O mais difícil é virar o céu pelo avesso e trazê-lo azul para o lado de dentro de um labirinto transparente.

 

Publicado em / Published in:
Carmela Gross: DesenhosGabinete de Artes Gráficas, São Paulo, 1977. Folder da exposição.

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